Na segunda-feira, 27/10, após o resultado das eleições, tristeza foi o sentimento de quase 50% da população brasileira. Incluído nesta parcela de pessoas fiquei ainda mais perplexo ao almoçar com as crianças – na faixa etária dos 7 aos 9 ano – como faço quase todos os dias e presenciar uma conversa sobre o resultado das eleições. Eis que o Lucas* perguntou:
– Ademar, roubar é errado?
E a menina Luiza* respondeu antes que eu pudesse me pronunciar.
– Mas já falei! Eles ajudam as pessoas. A Dilma ajuda os pobres e o Aécio os ricos.
Com mais de 20 anos convivendo com as crianças, aprendi que não se deve sair respondendo os questionamentos de qualquer jeito. Procurei saber a profundidade das dúvidas, para então ampliar a discussão e dúvidas naquelas crianças, mas por outro lado teria que responder objetivamente, pois criança ainda não tem condições de contextualizar, precisam encaixar dentro da máxima: ou é certo ou é errado.
Perguntei para a Luiza, quem lhe falou que a Dilma ajuda os pobres e o Aécio os ricos. Ela respondeu:
– A Maria.
Perguntei quem é a Maria.
– A Maria eu conheço desde bebê e trabalha onde minha mãe faz as unhas.
Ao Lucas questionei porque ele perguntou se roubar é errado.
– É que meu pai votou no Aécio porque disse que é errado roubar, mas o pai da Luiza votou na Dilma, e diz que ela ajuda os pobres.
Entendida a complexidade das dúvidas das crianças, fiquei numa tremenda ‘saia justa’, pois como educador trabalho com o conceito de que certo é certo e errado é errado. Que mesmo com uma boa justificativa não se pode cometer erros, muito menos pegar o que não nos pertence, etc. Ou seja, procuro trabalhar com o conceito da formação de valores tão importantes para que tenhamos adultos saudáveis, éticos e trabalhadores.
Respondi as crianças que roubar é errado, mesmo quando se tem uma ‘boa razão’. Já ia tentando sair de fininho quando o Pedro* perguntou:
– Ademar em quem você votou?
Na dúvida e como todos esperavam uma resposta objetiva, olhei para aqueles rostinhos, pensei alguns segundos e respondi: o voto é secreto.
Não preciso dizer que minha tristeza aumentou e muito, pois nesse momento percebi o quanto perdemos nos últimos anos como sociedade. Fiquei triste em perceber como estamos equivocados em relação a formação dos valores das pessoas, especialmente dos mais jovens e humildes.
A imagem que a Maria passou para a Luiza, está errada, mas ela foi manipulada pela propaganda do governo que incutiu na cabeça dela que se ajudar os mais necessitados pode roubar. Isso é manipulação do sentimento de justiça das pessoas, tão bem trabalhado na visão do Robin Hood que roubava dos ricos para ajudar os pobres. Mas, a Maria com sua simplicidade e humildade está contribuindo para construir na cabeça das crianças que roubar é certo, desde que ajude os pobres. E o Lucas pode ser taxado de insensível, pois defende que não se pode roubar e, portanto, defende os ricos ou quem ajuda os ricos.
Fiquei triste, e acredito que a tristeza observada em parte da população nesses dias pós-eleições vem dessa percepção, que estamos deixando que interesses partidários ou ideológicos permeiem a formação de uma geração inteira. Afinal, já são 12 anos dessa visão pregada pelo atual governo e agora teremos mais quarto anos de conceitos a serem manipulados para a formação de quais valores? Entendo que esse conceito que permite roubar para ajudar os pobres não é solidariedade, é desumanidade.
Ademar Batista Pereira – educador e articulista do blog www.esominhaopiniao.com.br
* Foram usados nomes fictícios para preservar a identidade das crianças.
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